De dia me
perdi na imensidão, foi demais escapar daqueles braços, pareciam engolir minha
voz e estraçalharam meus últimos maços de cigarro. Após socos violentos...
Estonteada,
cai ao chão.
Mas não
vinha... Uma hora, duas horas e quase cinco horas...
A morte
não parece conhecer todas as suas vítimas, do lado direito da rua vi pessoas
passando às pressasera uma noite fria e lânguida ...
As
sirenes, ao longe, denunciavam o caos da periferia e meu casaco sangrava todas as vezes que em vão um
ratinho tentava levá-lo, para quem sabe cobrir-se naquele frio medonho de São
Paulo.
Eu sabia
que já estava em uma espécie de inferno na terra e jurava que depois de tudo
mereceria um Paraíso, nem que fosse talvez por apenas um tempo.
Naquele
beco sujo e sem chance de retorno, senti uma pata aveludada tocando-me o rosto
e me dando esperança de vida em duas lambidas molhadas.... Achei que fosse uma
espécie de boas-vindas ao Paraíso, não fosse a dor que veio em seguida e os
latidos repetidos daquela cadela, cujo movimento parecia ser de um anjo
querendo a todo custo me retirar de próximo a um tonel cheio de
combustível.
Ela se
adiantou um pouco e com toda a força que reuniu me puxou pelo casaco até próximo um
lugar aparentemente mais seguro e correu com toda a força do mundo, trazendo em
seguida ao seu lado um senhor, que cambaleava, mas parecia estar sóbrio e mesmo
com meus olhos cerrando em agonia pela dor que havia se instalado em mim,
percebi a doçura que vinha nos uivos apavorados dela, e na confiança e
humanidade incrustadas naquele senhor cujo nome jamais saberei...
Já sã e
salva na rua do outro lado, ouvi um estrondo apavorante que vinha do beco que
acabara de sair. Eu que achara que o inferno seria meu final, descobri naquela
cachorra uma esperança diferente de tudo o que eu vira em minha existência.
Depois de
quase dez minutos as sirenes trouxeram carros e carros de bombeiros,
policiais e ambulâncias variadas.
A
cachorra, resignada e com uma das patas
feridas, lambia ternamente meu cabelo,
como se quisesse dizer que alguém logo me encontraria.
Daí eu me
perguntei: Por quê?
Por que uma cachorra teria tanto cuidado comigo? Sendo que eu
nem cachorro tenho? E por que ela se interessara tanto por mim, sendo que eu já
estava esperando outra visita? Naquela noite, a morte daria um cabo a
meus sofrimentos e eu iria pagar minha dívidas do outro lado. Mas a Meg, sim o nome dela ficou batizado por mim de
Meg. Ela parecia ter encontrado alguém especial em mim, e pasmem
não se desgrudou um só instante de minha presença. Logo
os paramédicos chegaram, eu estava muito fraca e havia inalado muita fumaça.
Mas uma das enfermeiras que acompanhava a equipe achara a cadela uma graça
e perguntou a mim, secretamente, se ela mordia, era violenta, algo assim. Disse
que não, que ela tinha salvado a minha vida, ao me perguntar o nome dela,
respondi que ela
se chamava Meg. E você não vai levá-la
consigo? Eu quase disse, imagina moça eu não a conheço. Mas eu disse, moça
assim que sair do hospital virei pegá-la.
Passaram-se
dois dias entre exames e entrevistas, logo após uma bateria de perguntas da Polícia Militar.
Eu queria retornar aquele lugar, rever a Meg e agradecer em silêncio tanta ternura.
No
terceiro dia fui exatamente à rua em que nos conhecemos, tudo muito destruído e ali
perto havia umas casas antigas. Algumas pessoas sentadas à porta de casa, resolvi
perguntar se conheciam uma cachorra marrom, orelhas grandes e olhos cor de mel animada que
parecia conhecer todos os lugares por ali. Pela descrição uma das crianças que
conhecia todos os cachorros e cachorras ali me disse: _ Senhora, nessas
ruas nunca passou nenhuma cachorra com essas características! Ainda
perguntei para algumas pessoas, mas em vão. Daí me lembrei que uma das
enfermeiras que estava de plantão naquele dia poderia me ajudar. No Hospital
descrevi a enfermeira. Procurei, procurei e não a encontrei.
Quando
Meg me salvou trouxe consigo um amigo, um senhor, descrevi a tantas pessoas e
já estava encucada, achando que pensariam mal de mim, como se estivesse louca
demais por tantos nomes. No entanto, as pessoas pareciam ter pena de mim
e diziam: “moça isso foi um milagre,
aceite”.
Aquele
beijo de Meg em meu rosto na noite em que eu desistira da vida foi exatamente o
que eu precisava para ganhar esperança para viver...
Hoje
tenho duas cachorras. Uma delas carrega o
nome em homenagem a Meg e a outra, em homenagem
a todos os que amam os cachorros e depositam fé neles, chama-se Esperança.
Obrigada
a você que leu essa mensagem e acreditou que, um dia, poderei
conhecer a Meg em algum lugar!
Meg,
Apareça!
Autora:
Márcia Guedes
Texto
revisado por André Kondo
Nenhum comentário:
Postar um comentário